“Artes do Fogo” - Assim se chama a Exposição integrada por ferros de lareira tradicionais, criados pelo artesão António Moreira, os quais estarão patentes ao público, entre 12 de Maio e 24 de Julho, na Sala de Exposições do Centro Cultural Dr. Marques Crespo, na Rua João de Sousa Carvalho, em Estremoz. A Exposição é uma organização da Associação Filatélica Alentejana e conta com o apoio da Câmara Municipal de Estremoz.
António Moreira, artesão do ferro, natural de Estremoz, com créditos firmados na nobre arte do ferro, é presença habitual em feiras, mostras e salões de artesanato por esse país fora. Surpreende-nos sempre com aquilo que consegue dizer com o ferro. Desta feita, em mais uma exposição individual, convida-nos a uma viagem no tempo, através duma incursão ao passado. Para o efeito, recriou artefactos com geometrias diversas, mas todos ancestrais e com um elo comum, o serem usados na confecção de grelhados: espetos, suporte de espetos, picadores do lume, pás, gatos de lareira e trasfogueiros. Trata-se de objectos que assim podemos descrever:
ESPETO - Utensílio em ferro no qual se enfia carne ou mesmo animais inteiros ou peixe, para serem assados;
SUPORTE DE ESPETOS - Apetrecho em ferro destinado a sustentar espetos por cima da lareira;
PICADOR DO LUME - Artefacto em ferro com que se pica a lenha a arder, para atiçar o fogo;
PÁ - Utensílio em ferro destinado a tirar brasas ou cinza da lareira;
GATO DE LAREIRA - Peça de ferro com a forma de animal, que tem como função servir de apoio à lenha enquanto arde e sustentar o espeto enquanto se assa a carne sobre as brasas, para o que se vai rodando o espeto nos buracos do travessão. Depois de assada a carne, o espeto apoia-se nos entalhes para a carne não arrefecer. Característico da cozinha tradicional alentejana;
TRASFOGUEIRO - Artefacto com a função básica de servir de apoio à lenha enquanto arde. Serve também de suporte de malgas e da gramalheira que suspende o caldeiro sobre o lume. Característico da cozinha tradicional transmontana.
Trata-se de objectos que sendo belos, são igualmente decorativos, sem deixarem de cumprir a sua velha funcionalidade.
A exposição integra 19 trabalhos de António Moreira, alguns de grandes dimensões. Trata-se sem sombra de dúvida dum valioso contributo para o revigoramento da arte popular alentejana, tão indispensável ao reforço da nossa identidade cultural regional.
A matéria-prima usada é o ferro sob a forma de barras, vergas e verguinhas. No seu labor e para além da forja e da bigorna, paradigmáticas no trabalho do ferro forjado, o artesão utiliza ferramentas de corte (punção de mão e corta-frio), ferramentas para bater o ferro (martelos, marretas e malhos), bem como ferramentas para segurar a obra (tenaz, alicatão, presa e preguiça). Com estas ferramentas e com as operações de forjar, encalcar, puxar, curvar, cortar, furar e caldear, o artesão transmuta magistralmente o ferro primitivo. O artefacto que lhe sai da alma e as suas mãos vão afeiçoando, vai crescendo e tomando forma até que o artífice, exigente no seu mister, sente que aquele artefacto é como um filho nascido nas suas mãos, que no acto de surgir, grita: Pai, nasci! É um ritual que se repete ciclicamente, ao ritmo das ferramentas e ao som infernal do malho. Tarefa dura para homens de rija têmpera, descendentes do deus Vulcano, crestados pelo calor da forja e endurecidos pela violência dum quase permanente martelar: truca-truca, truca-truca, truca-truca e o malho lá vai afeiçoando o artefacto. O ferro é teimoso, mas o artífice ainda o é mais. Astuto, amolece-o com o auxílio do fogo. O ferro fica submisso e o artista faz dele o que quer.
Duro é o trabalho de forjar o ferro, o que todavia não embota a sensibilidade artística do mesteiral, que para além de formas e volumes, é capaz de criar movimento. Quem é que ousa dizer que ele não é capaz de traduzir no ferro, o esvoaçar duma borboleta? Quem? Ninguém, pois o artífice é capaz de fazer isso e muito mais ou seja: tudo aquilo que a sua alma ditar às suas mãos, ao ritmo malhado do truca-truca, truca-truca, truca-truca.
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