sábado, 13 de outubro de 2012

António Coelho - Memórias dos Campos


António Coelho - Memórias dos Campos

Esta a designação da exposição a inaugurar pelas 16 horas de sábado, dia 13 de Outubro, na Sala de Exposições do Centro Cultural Dr. Marques Crespo, na Rua João de Sousa Carvalho, em Estremoz.
Trata-se de uma exposição integrada por miniaturas de carros rurais e alfaias agrícolas, criados pelo artesão veirense António Coelho, de 81 anos de idade.
A iniciativa é da Associação Filatélica Alentejana e conta com o apoio da Câmara Municipal de Estremoz.
A exposição que estará patente ao público até ao dia 17 de Novembro de 2012, pode ser visitada de 3ª feira a sábado, entre as 9 e as 12,30 horas e entre as 14 e as 17,30 horas.


No ano de graça de 1931, há precisamente 81 anos, na freguesia de Veiros - Terras do Barbadão, que já foi sede de concelho, uma mãe deu à luz uma criança do sexo masculino, a quem o padre de serviço baptizou e registou como António João Coelho. Era um infante com o destino marcado. A mãe era uma camponesa que sazonalmente conseguia trabalho na monda, na ceifa ou na azeitona. O pai era pastor e o filho seguiu as pisadas do pai. Foi ajuda de rebanhos de ovelhas e de varas de porcos dos 9 aos 16 anos, idade com a qual passou a trabalhar como ganhão, o que fez até aos 25 anos, idade em que casou com a sua ainda mulher, que lhe deu 2 rapazes e 3 raparigas que criou e preparou para a vida.
Foi na altura do casamento que a sua vida deu uma volta para melhor. Sabem porquê? Porque como diz o poeta António Gedeão, “sempre que um homem sonha /o mundo pula e avança”. E o António Coelho tirou a carta de tractor e passou a ser tractorista, tornando-se mais tarde agricultor, primeiro com courelas arrendadas e depois com herdades.
É o exemplo de vida de um homem que por mérito próprio se conseguiu libertar da servidão humana inerente à sua condição de pastor e de ganhão, para ascender primeiro à categoria de tractorista e de agricultor depois, mister que exerceu até se reformar aos 67 anos. Foi uma reforma singular, pois reformou-se do trabalho, que não da vida e mantendo acesas as memórias dos campos onde nasceu e que com ele cresceram. Memórias que através de impulsos neuronais, transmite às mãos que com engenho e arte muito próprias, transmitem à madeira, os registos de um passado que fez parte da sua vida diária e integra hoje a nossa memória e o nosso património cultural colectivo.
Antes de se reformar já fazia peças de arte pastoril em madeira, tais como “bolotas” e “cadeirinhas de prometida”, que dava às mulheres e às moças que muito bem entendia ou que fazia a pedido de alguém.
As “bolotas” serviam como ganchos de meia que as mulheres usavam quando faziam croché ou tricotavam peças de vestuário, de lã ou algodão, como era o caso das chamadas “meias de cinco agulhas”. As bolotas eram pregadas na blusa ou no vestido da mulher, na parte superior do peito, geralmente do lado esquerdo. Aí eram fixadas através dum alfinete-de-ama ou cozidos com linha e tinham um sulco ou um buraco, por onde passava o fio, que do novelo era redireccionado para as agulhas.
As “cadeirinhas de prometida” eram um símbolo do contrato pré-matrimonial no Alentejo da primeira metade do séc. XX que os moços ofereciam às suas “prometidas” e que elas passavam a usar, presa na fita do chapéu de trabalho, até à altura do matrimónio. Esta a fórmula encontrada pela sábia identidade cultural alentejana, de dar a conhecer à comunidade que a moça já estava “prometida” e que em breve iria casar.
Depois de se reformar passou a fazer miniaturas de alfaias agrícolas, tais como arados, araveças, charruas e grades, assim como carros de parelha, carroças, carros manchegos e pipas de rega, bem como figuras dos protagonistas das fainas agro-pastoris dessa época: pastores, ganhões, semeadores, cortadores de lenha, cavadores de enxada, manteeiros, feitores, etc.
Como matéria-prima principal utiliza a madeira: pau de buxo, de limoeiro ou de laranjeira, bem como tábuas de caixotes de fruta. Utiliza ainda cola e tintas para madeira. Raramente utiliza pregos.
Como ferramentas, utiliza o machado para falquejar a madeira, a navalha que é a ferramenta principal, o serrote, a grosa, o martelo, assim como o vidro para limpar a madeira.
Já comercializou peças suas na Feira de Veiros, mas esta é a sua primeira Exposição.
Desejamos-lhe longos anos de vida e que esta seja a primeira de muitas exposições, que decerto poderá fazer noutras terras.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

O vasilhame de barro de Estremoz

Estremoz: Mercado dos barros integrado no mercado semanal, cerca de 1940.
Fotografia de Rogério de Carvalho (1915-1988). Arquivo do autor.

“O VASILHAME DE BARRO DE ESTREMOZ” é o tema da exposição de olaria estremocense, que desde 11 de Agosto está patente ao público na Sala de Exposições do Centro Cultural Dr. Marques Crespo, em Estremoz. A iniciativa foi da Associação Filatélica Alentejana e contou com o apoio da Câmara Municipal de Estremoz. A exposição que estará patente ao público até ao próximo dia 22 de Setembro, pode ser visitada de 3ª feira a sábado, entre as 9 e as 12,30 horas e entre as 14 e as 17,30 horas.
As olarias de Estremoz desde sempre produziram, todo o tipo de vasilhame destinado a uso doméstico, nomeadamente o destinado a conter água.
Dantes, todas as casas tinham na cozinha, um poial dos cântaros, onde os tamanhos mais correntes eram “a terceira” (15 litros) e a quarta (10 litros). Aí se ia buscar à fonte ou ao poço, a água destinada ao consumo doméstico. Nos poiais, lá estavam gravados muitas vezes, a cruz e o signo-saimão, símbolos mágicos de protecção contra o mau-olhado e o quebranto. Estes símbolos podiam aparecer igualmente gravados nos cântaros ou nas suas tampas de cortiça.
Para além dos cântaros, existiam ainda recipientes para água de menores dimensões, como as bilhas, os moringues, as garrafas de água, os barris e os púcaros.
As bilhas (de 1 a 2 litros) e os moringues (1 a 3 litros) permitiam levar água à mesa da refeição. Já as garrafas de água (1 a 2 litros) eram mais destinadas a ter na mesinha de cabeceira, para uso nocturno. Quantos aos barris (1 a 2 litros), destinavam-se a ser usados em viagem ou levados para o local de trabalho, usando um cordel que os permitia transportar ao ombro ou a tiracolo. Eram também usados nos carros de tracção animal, protegidos por um invólucro tecido com esparto, num receptáculo existente no exterior do carro.
Em Estremoz, sempre houve três tipos de decoração do vasilhame para água:
- o riscado, de aspecto mais rústico, tendo colado meniscos convexos de argila, decorados com minúsculos seixos de quartzo;
- o polido, com uma decoração mais fina e requintada, que joga com o contraste entre a superfície baça e os motivos que foram polidos;
- folhas, bolotas e ramos de sobreiro, moldados em barro e colados à superfície, conjugados com algum polimento daquela.
Existem também recipientes em barro, vulgarmente conhecidos por “picassos”, com formas mais ou menos estilizadas: o peixe, o galo, a cabra, a mulher nua, a sereia, etc.
Antes da vulgarização dos frigoríficos, o vasilhame de barro era a garantia de se ter em casa, água fresca que nos permitisse dessedentar nos dias de Verão. O barro é poroso, pelo que a água contida no interior do recipiente, chega à superfície por capilaridade. Daqui se evapora por acção do calor, o que consumindo energia, faz baixar a temperatura no interior do recipiente. Este abaixamento de temperatura é directamente proporcional à massa de água evaporada e inversamente proporcional à massa de água contida na vasilha. Os cálculos revelam que ao evaporar-se 1 decilitro de água de um recipiente, que passe então a ficar com 1 litro dela, a temperatura desta baixa 5,4 º C. É a magia da natureza. E como é saborosa a água contida em recipientes de barro, sobretudo de barro novo, que se desfaz em fino pó.
A vulgarização dos frigoríficos deu uma facada de morte nos oleiros, que já tinham levado outra com a implementação dos recipientes de alumínio, a substituir a loiça vidrada. Entre nós só já há um oleiro, Jerónimo Lagartinho, que talvez venha a ser o último oleiro de Estremoz. A olaria estremocense está em risco de extinção. Não se pode fazer nada para o evitar? É que chorar lágrimas de crocodilo depois, é hipocrisia e não resolve nada.

domingo, 13 de maio de 2012

António Moreira - Artes do Fogo


“Artes do Fogo” - Assim se chama a Exposição integrada por ferros de lareira tradicionais, criados pelo artesão António Moreira, os quais estarão patentes ao público, entre 12 de Maio e 24 de Julho, na Sala de Exposições do Centro Cultural Dr. Marques Crespo, na Rua João de Sousa Carvalho, em Estremoz. A Exposição é uma organização da Associação Filatélica Alentejana e conta com o apoio da Câmara Municipal de Estremoz.


António Moreira, artesão do ferro, natural de Estremoz, com créditos firmados na nobre arte do ferro, é presença habitual em feiras, mostras e salões de artesanato por esse país fora. Surpreende-nos sempre com aquilo que consegue dizer com o ferro. Desta feita, em mais uma exposição individual, convida-nos a uma viagem no tempo, através duma incursão ao passado. Para o efeito, recriou artefactos com geometrias diversas, mas todos ancestrais e com um elo comum, o serem usados na confecção de grelhados: espetos, suporte de espetos, picadores do lume, pás, gatos de lareira e trasfogueiros. Trata-se de objectos que assim podemos descrever:
ESPETO - Utensílio em ferro no qual se enfia carne ou mesmo animais inteiros ou peixe, para serem assados;
SUPORTE DE ESPETOS - Apetrecho em ferro destinado a sustentar espetos por cima da lareira;
PICADOR DO LUME - Artefacto em ferro com que se pica a lenha a arder, para atiçar o fogo;
PÁ - Utensílio em ferro destinado a tirar brasas ou cinza da lareira;
GATO DE LAREIRA - Peça de ferro com a forma de animal, que  tem como função servir de apoio à lenha enquanto arde e sustentar o espeto enquanto se assa a carne sobre as brasas, para o que se vai rodando o espeto nos buracos do travessão. Depois de assada a carne, o espeto apoia-se nos entalhes para a carne não arrefecer. Característico da cozinha tradicional alentejana;
TRASFOGUEIRO - Artefacto com a função básica de servir de apoio à lenha enquanto arde. Serve também de suporte de malgas e da gramalheira que suspende o caldeiro sobre o lume. Característico da cozinha tradicional transmontana.
Trata-se de objectos que sendo belos, são igualmente decorativos, sem deixarem de cumprir a sua velha funcionalidade.
A exposição integra 19 trabalhos de António Moreira, alguns de grandes dimensões. Trata-se sem sombra de dúvida dum valioso contributo para o revigoramento da arte popular alentejana, tão indispensável ao reforço da nossa identidade cultural regional.
A matéria-prima usada é o ferro sob a forma de barras, vergas e verguinhas. No seu labor e para além da forja e da bigorna, paradigmáticas no trabalho do ferro forjado, o artesão utiliza ferramentas de corte (punção de mão e corta-frio), ferramentas para bater o ferro (martelos, marretas e malhos), bem como ferramentas para segurar a obra (tenaz, alicatão, presa e preguiça). Com estas ferramentas e com as operações de forjar, encalcar, puxar, curvar, cortar, furar e caldear, o artesão transmuta magistralmente o ferro primitivo. O artefacto que lhe sai da alma e as suas mãos vão afeiçoando, vai crescendo e tomando forma até que o artífice, exigente no seu mister, sente que aquele artefacto é como um filho nascido nas suas mãos, que no acto de surgir, grita: Pai, nasci! É um ritual que se repete ciclicamente, ao ritmo das ferramentas e ao som infernal do malho. Tarefa dura para homens de rija têmpera, descendentes do deus Vulcano, crestados pelo calor da forja e endurecidos pela violência dum quase permanente martelar: truca-truca, truca-truca, truca-truca e o malho lá vai afeiçoando o artefacto. O ferro é teimoso, mas o artífice ainda o é mais. Astuto, amolece-o com o auxílio do fogo. O ferro fica submisso e o artista faz dele o que quer.
Duro é o trabalho de forjar o ferro, o que todavia não embota a sensibilidade artística do mesteiral, que para além de formas e volumes, é capaz de criar movimento. Quem é que ousa dizer que ele não é capaz de traduzir no ferro, o esvoaçar duma borboleta? Quem? Ninguém, pois o artífice é capaz de fazer isso e muito mais ou seja: tudo aquilo que a sua alma ditar às suas mãos, ao ritmo malhado do truca-truca, truca-truca, truca-truca.
 

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

António Canoa - Artesão da Ruralidade


Esta a designação da exposição a inaugurar pelas 16 horas do próximo sábado, dia 28 de Janeiro, na Sala de Exposições do Centro Cultural Dr. Marques Crespo, em Estremoz.
A iniciativa é da Associação Filatélica Alentejana e conta com o apoio da Câmara Municipal de Estremoz.
António Canoa é natural de Veiros, onde nasceu em 1926. Quando acabou a instrução primária seguiu o seu destino e tornou-se aprendiz de abegão, sob a orientação de seu tio e padrinho, Miguel Lopes.
Aos 17 anos já era abegão de corpo inteiro e nessa condição começou a trabalhar de sol a sol para as grandes casas agrícolas do concelho de Estremoz.
Da arte das suas mãos nasceram carros, carroças e trens para o transporte de bens e pessoas, assim como alfaias agrícolas como arados e araveças, bem como trilhos, grades, pás, forquilhas, escadas, malhos, cangalhas, etc., etc.
As matérias-primas eram o azinho, o freixo, o eucalipto e o choupo, que as suas mãos afeiçoavam com o auxílio de serras, machados, enxós, formões, martelos, arpuas e trados. E como abegão era um artista no sentido mais completo do termo. As suas obras eram decoradas com tintas confeccionadas com cores minerais já utilizadas pelos artistas rupestres de Lascaux e Altamira no Paleolítico, mas aqui diluídas em óleo e secante.
O almagre, o zarcão, o azul do ultramar e a terra de Sena, marcas identitárias das claridades do Sul, estavam sempre presentes no remate de obras nascidas das suas mãos mágicas de carpinteiro das grandes herdades.
Depois de se reformar, a ruralidade que continua a transportar na alma e os bichos carpinteiros que lhe vão na massa do sangue, levaram-no a confeccionar numa escala reduzida, miniaturas de tudo aquilo que lhe saiu das mãos em tamanho natural e que cumpria as missões para que foi criado, nas fainas agro-pastoris da primeira metade do século XX e mesmo mais além.
São essas miniaturas que António Canoa, ex-abegão e agora artesão da ruralidade, residente em São Lourenço de Mamporcão, expõe para deleite da nossa vista e porque é importante refrescar a memória do Alentejo do passado, das vivências e sentires da gente do campo.
A exposição que estará patente ao público até ao dia 28 de Abril de 2012, pode ser visitada de 3ª feira a sábado, entre as 9 e as 12,30 horas e entre as 14 e as 17,30 horas.